Por
Hellen Leita / Correio Braziliense
Sebastiana
Coelho de Matos, de 101 anos e Francisco Fernandes de Alencar, 103,
foram acomodados lado a lado no Hospital de Samambaia. História de
amor deles ultrapassa os 80 anos.
“Sebastiana,
já comeu?”, pergunta Francisco à mulher, que, da cama, consente
acenando a cabeça. O marido observa o gesto com um pouco de
dificuldade, virando-se levemente para o lado. Ela, um pouco mais
fragilizada, de vez em quando, também confere se ele continua ali.
E, assim, deitados lado a lado em leitos do Hospital Regional de
Samambaia, dão continuidade à história de amor que ultrapassa 80
anos.
Sebastiana Coelho de Matos tem 101 anos. Francisco
Fernandes de Alencar, 103. E desde a juventude são inseparáveis. Na
segunda-feira, ela precisou ser internada por causa de complicações
causadas pelo diabetes. A distância parece ter abalado o apaixonado
marido. No dia seguinte, foi ele quem deu entrada no hospital
sofrendo de insuficiência nos rins.
“Quando o
estabilizaram, ele começou a perguntar por minha avó. O tempo todo.
Isso sensibilizou quem estava ao redor”, conta Jane Ester Alencar,
42 anos, neta do casal. A equipe da unidade de saúde se viu em um
impasse. Na emergência, onde os dois estavam, a ala destinada à
Sebastiana era a amarela, mas Francisco deveria permanecer na
vermelha. E os 15 metros que os separavam tinham se transformado em
um abismo para eles. Conversa daqui, conversa dali, o amor — e
também a atenção ao bem-estar dos pacientes — falou mais alto do
que o protocolo hospitalar. Francisco foi instalado ao lado de
Sebastiana, como queria, onde também havia outros pacientes. Ontem à
noite, o casal foi transferido para um quarto só para os dois.
Pensar
e falar na morte não é problema para os dois, revela Miriam Araújo,
66 anos, uma das filhas. O assunto é discutido sem medos. O único
receio deles é que um deixe o outro para trás. “Eles sempre falam
que um não vai embora na frente do outro. Meu pai diz que sempre ora
para que minha mãe não morra antes dele, para ele não ficar
sozinho e para que ele não vá antes dela, para não a deixar só”,
conta Miriam, concordando com a contradição da frase.
O
começo
Essa
história de amor inseparável começou na década de 1930, no
interior de Goiás. Francisco havia saído do Maranhão com quase
nada na mochila. Era um menino pobre em busca de sobrevivência nas
fazendas goianas, quando conheceu Sebastiana. Morena, bonita, rica,
filha de fazendeiros. Não estava ao seu alcance, Francisco pensou.
Talvez por isso, no começo, os dois ficaram apenas na tímida troca
de olhares.
Vez
ou outra, quando cansava da lida com a enxada, ele entrava na cozinha
da casa grande para beber um pouco de água do pote de barro. Nesses
momentos, Sebastiana dava um jeito de aparecer na cozinha também.
“Mas ele achava que era impossível se casar com ela. ‘Como podia
uma menina rica querer um menino pobre de saco nas costas’, era o
que ele repetia”, lembra a caçula, Ana Araújo, 56.
Sebastiana,
no entanto, correspondia à paixão do garoto. Quando o amor entre os
dois ficou claro, ela não hesitou em enfrentar o pai para se casar
com homem da sua vida. Com a ajuda de uma tia dela, numa
quarta-feira, fugiram juntos da fazenda. No sábado, estavam casados.
Não
foi fácil. Sobreviveram a vida toda da lavoura, moraram em muitos
interiores do Brasil e assim criaram os 12 filhos. São os patriarcas
de uma família enorme: quase 80 netos e oito bisnetos. Depois de
tanto andar e tanto realizar, Francisco diz ter um só desejo: mais
tempo para viver ao lado da sua amada. Por quê? “Casar com ela foi
a melhor coisa”, responde. E volta-se de novo para a companheira de
vida: “Bastiana, você sabe que eu te amo, né?”
1 Comentários
Muito lindo, coisa rara.
ResponderExcluirTenho certeza que os descendentes herdaram esse exemplo de vida.
Obrigado pela sugestão.