Enquanto
crianças vestidas de terno no Brasil brincam com palitos de fósforo
sobre gasolina, a dinâmica de poder pode acender uma nova faísca
Por Evandro Pontes
Em
cena já clássica do monumental Cavaleiro
das Trevas,
o encontro entre o Justiceiro e o Mestre do Caos ergue a um nível
extraordinário uma das questões filosóficas mais relevantes do
mundo contemporâneo: até onde alguém, usando de forma distorcida
de mecanismos da lei, pode testar os limites da ética, do justo, do
razoável, da lógica, da semântica, do bom-senso e da coerência
para obter poder?
O
féretro que vem sendo montado para a Operação Lavajato com o
ensaio de anistia ao Don Falcone de São Bernardo, encaixa-se
perfeitamente nesse diálogo – um gênio do Caos surge do nada e
implementa o terror entre as autoridades. Próximo de ser pego, uma
espécie de “sense
of self-righteousness”
recoloca o herói no caminho do devido
processo legal –
“não farei o mesmo que ele”, pensa o herói.
O
algoz não faz o mesmo pois em sua loucura e na sua paranoia, entra
no mundo real para se divertir (ora, ninguém é de ferro…).
E
o algoz, ao conseguir colocar o Promotor no mesmo nível de seus
investigados (e ele mesmo afirma, “não foi difícil”), deixa
assim a lição final: a
loucura, como você pode perceber, é como a lei da gravidade –
tudo o que você precisa é de apenas um empurrãozinho…
Esse
empurrãozinho foi dado meses atrás quando alertei (ao deixar a
modéstia pelo caminho, ao lado do senso de perigo), que a situação,
se não fosse imediatamente interrompida, ia levar as instituições
a um nível de caos que elas não estariam aptas a suportar.
Tanto
é que quando o herói adverte que o Mestre do Caos iria passar o
resto de sua vida em uma cela almofadada (local onde os criminosos
que se declaram malucos vão parar nos EUA), o Mestre do Caos
responde: Maybe
we can share one. You know they’ll be doubling up at the rate the
inhabitants of this city are losing their minds.
Sim,
os habitantes da Gotham Brasileira estão
perdendo a cabeça…:
quando se cruza uma linha jurídica cuja fonte é a ética,
dificilmente o estágio anterior é reassumido pelos
contendores sponte
propria.
Perdoe
leitor, leitora, pelo texto cifrado de hoje, mas é o que acontece
quando o estado de normalidade é substituído por uma tirania: a
metáfora, única ferramenta disponível quando o desarmamento atinge
até a plenitude de um dicionário, acaba sendo o jeito de avisar
àqueles poucos que estão ainda alertas – sem o combate ao ciclo
completo do fluxo corruptivo, o experimento social que é por ele
alimentado pode retomar o seu ritmo de crescimento a qualquer
momento.
Se
eu fosse Nolan, acrescentaria ao roteiro a advertência de um
Comissário Gordon: μὴ
φοβεῖσθε!
– eis ai a essência desse herói.
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