Carlos Alberto Di Franco
Proliferam notícias falsas
nas redes sociais. São compartilhadas acriticamente com a compulsão
de um clique. Fazem muito estrago. Confundem. Enganam. A mentira, por
óbvio, precisa ser debelada. O antídoto não é o Estado. É a
poderosa força persuasiva do conteúdo qualificado. O valor da
informação e o futuro do jornalismo estão intimamente
relacionados. É preciso apostar na qualidade da informação.
As rápidas e crescentes
mudanças no setor da comunicação colocaram os antigos modelos de
negócios em xeque. A dificuldade em encontrar um caminho seguro para
a monetização dos conteúdos multimídia e as novas rotinas criadas
a partir das plataformas digitais produzem um complexo cenário de
incertezas.
É preciso pensar, refletir
duramente sobre a mudança de paradigmas, uma vez que a criatividade
e a capacidade de inovação –rápida e de baixo custo- serão
fundamentais para a sobrevivência das organizações tradicionais e
para o sucesso financeiro das nativas digitais.
Mas é preciso, previamente,
fazer uma autocrítica corajosa a respeito do modo como nós,
jornalistas e formadores de opinião, vemos o mundo e da maneira como
dialogamos com ele.
Antes da era digital, em
quase todas as famílias existia um álbum de fotos. Lembram disso?
Lá estavam as nossas lembranças, os nossos registros afetivos, a
nossa saudade. Muitas vezes abríamos o álbum e a imaginação
voava. Era bem legal.
Agora, fotografamos tudo e
arquivamos compulsivamente. Nosso antigo álbum foi substituído
pelas galerias de fotos de nossos dispositivos móveis. Temos
overdose de fotos, mas falta o mais importante: a memória afetiva, a
curtição daqueles momentos. Fica para depois. E continuamos
fotografando e arquivando. Pensamos, equivocadamente, que o registro
do momento reforça sua lembrança, mas não é assim. Milhares de
fotos são incapazes de superar a vivência de um instante. É
importante guardar imagens. Mas é muito mais importante viver cada
momento com intensidade. As relações afetivas estão sucumbindo à
coletiva solidão digital.
Algo análogo, muito
parecido mesmo, ocorre com o consumo da informação. Navegamos
freneticamente no espaço virtual. Uma enxurrada de estímulos
dispersa a inteligência. Ficamos reféns da superficialidade.
Perdemos contexto e sensibilidade crítica. A fragmentação dos
conteúdos pode transmitir certa sensação de liberdade. Não
dependemos, aparentemente, de ninguém. Somos os editores do nosso
diário personalizado. Será? Não creio, sinceramente. Penso que há
uma crescente nostalgia de conteúdos editados com rigor, critério e
qualidade técnica e ética. Há uma demanda reprimida de reportagem.
É preciso reinventar o jornalismo e recuperar, num contexto muito
mais transparente e interativo, as competências e a magia do
jornalismo de sempre.
Jornalismo sem alma e sem
rigor. É o diagnóstico de uma perigosa doença que contamina
redações, afasta consumidores e escancara as portas para os
traficantes da mentira. O leitor não sente o pulsar da vida. As
reportagens não têm cheiro do asfalto.
É preciso contar boas
histórias. Com transparência e sem filtros ideológicos. O bom
jornalista ilumina a cena, o repórter manipulador constrói a
história. Na verdade, a batalha da isenção enfrenta a sabotagem da
manipulação deliberada, da preguiça profissional e da
incompetência arrogante. Todos os manuais de redação consagram a
necessidade de ouvir os dois lados de um mesmo assunto. Mas alguns
procedimentos, próprios de opções ideológicas invencíveis,
transformam um princípio irretocável num jogo de aparência.
A apuração de mentira
representa uma das mais graves agressões à ética e à qualidade
informativa. Matérias previamente decididas em guetos sectários
buscam a cumplicidade da imparcialidade aparente. A decisão de ouvir
o outro lado não é honesta, não se apoia na busca da verdade, mas
num artifício que transmite um simulacro de isenção, uma ficção
de imparcialidade. O assalto à verdade culmina com uma estratégia
exemplar: repercussão seletiva. O pluralismo de fachada, hermético
e dogmático, convoca pretensos especialistas para declarar o que o
repórter quer ouvir. Mata-se a notícia. Cria-se a versão.
Sucumbe-se, frequentemente,
ao politicamente correto. Certas matérias, algemadas por chavões
inconsistentes que há muito deveriam ter sido banidos das redações,
mostram o flagrante descompasso entre essas interpretações e a
força eloquente dos números e dos fatos. Resultado: a
credibilidade, verdadeiro capital de um veículo, se esvai pelo ralo
dos preconceitos.
Politização da informação,
distanciamento da realidade e falta de reportagem. Eis o tripé que
tisnou a credibilidade dos veículos. A informação não pode ser
processada em um laboratório sem vida. Falta olhar nos olhos das
pessoas, captar suas demandas legítimas. Gostemos ou não delas. A
velha e boa reportagem não pode ser substituída por torcida.
A crise do jornalismo, e a
proliferação de fake news, está intimamente relacionada com a
pobreza e o vazio das nossas pautas, com a perda de qualidade do
conteúdo, com o perigoso abandono da nossa vocação pública e com
a equivocada transformação de jornais em produto mais próprio para
consumo privado. É preciso recuperar o entusiasmo do “velho
ofício”. É urgente investir fortemente na formação e
qualificação dos profissionais. O jornalismo não é máquina,
embora a tecnologia ofereça um suporte importantíssimo. O valor
dele se chama informação de alta qualidade, talento, critério,
ética.
O jornalismo precisa
recuperar a vibração da vida, o cara a cara, o coração e a alma.
O consumidor precisa sentir que o jornal é um parceiro relevante na
sua aventura cotidiana. Fake news também se combate com qualidade.
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