Medida é forma de tributar mais ricos e ganhar apoio de prefeitos e governadores
A nova proposta de reforma tributária que será elaborada pela Câmara dos Deputados deve prever também mudanças na tributação de propriedades, o que inclui a previsão de cobrança de IPVA sobre alguns veículos aquáticos e aéreos.
Também devem entrar no texto que será apresentado em maio regras sobre a progressividade do ITCMD (imposto estadual sobre herança e doação) e a obrigação para que os municípios atualizem a base de cálculo do IPTU ao menos uma vez a cada quatro anos.
Deputados do grupo de trabalho que trata da reforma entendem que as mudanças são uma forma de trazer mais apoio ao texto, por parte de governadores e prefeitos, além de tornar a proposta mais justa do ponto de vista da taxação dos mais ricos.
Em relação ao IPVA, a Constituição prevê que o tributo estadual seja cobrado dos proprietários de veículos automotores, sem especificar quais.
Ao analisar o texto constitucional em diversas oportunidades, o STF (Supremo Tribunal Federal) entendeu que o imposto só alcança veículos terrestres. Por isso, barrou a tentativa de cobrança por alguns estados, como Rio de Janeiro, São Paulo e Amazonas, nas últimas décadas.
Para o tribunal, o IPVA sucedeu a antiga TRU (Taxa Rodoviária Única), que historicamente excluía do pagamento as embarcações e as aeronaves. O objetivo da criação do imposto no lugar da taxa foi permitir a divisão do recurso entre estados e municípios, e não ampliar a base de incidência do tributo, segundo o Supremo. O STF entende ainda que tributar veículos aéreos ou aquáticos não está na competência dos estados, pois o licenciamento destes veículos é feito pela União.
Para superar essas restrições, será necessário alterar o texto constitucional nesse ponto, o que será feito por meio da aprovação de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição).
Essa nova proposta deve mesclar o texto de outras duas que tramitam no Congresso desde 2019 (PEC 45 e PEC 110). A versão mais recente da 110, apresentada em 2021 pelo atual presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (MDB-MG), e pelo ex-senador Roberto Rocha (PSDB-MA), prevê a cobrança de IPVA sobre embarcações e aeronaves.
A expectativa é que o governo federal também apoie a mudança. No segundo turno das eleições de 2022, o ministro Fernando Haddad (Fazenda), então candidato ao governo de São Paulo, comprometeu-se com a proposta do PDT de taxar também jatos, lanchas e helicópteros com o IPVA.
O secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, participou em 2022 da elaboração de um conjunto de propostas econômicas que também sugeria a tributação desses dois tipos de veículos.
Um estudo de 2020 do Sindifisco Nacional (sindicato dos auditores da Receita Federal) estimou uma arrecadação adicional de R$ 4,7 bilhões por ano com a ampliação da base do tributo. Isso representaria um aumento de quase 10% na arrecadação do IPVA.
Quase 90% desse valor se refere a embarcações, e os outros 10% sobre aeronaves a jato, turboélice e helicópteros.
“A frota executiva brasileira é a maior do hemisfério sul e a terceira do mundo, atrás, apenas, dos Estados Unidos e do Canadá. É chocante que entregadores paguem impostos pela propriedade de suas motocicletas e os proprietários dessas esquadrilhas de limousines aéreas não paguem nada. É o princípio da capacidade contributiva previsto na Constituição de 1988 aplicado ao contrário”, afirma Isac Falcão, presidente do Sindifisco Nacional.
Leonardo Gallotti Olinto, do escritório DCG Advogados, afirma que a tributação desses bens pode levar muitas pessoas a registrar aeronaves e embarcações em outros países, como forma de tentar escapar do IPVA.
“De fato há um desbalanço, mas há que se tomar cuidado”, afirma Olinto. “Se for comprado na Rússia, de bandeira russa, o Brasil tem competência para tributar? Será que isso não vai gerar uma fuga?”
A tributação desses veículos não deve ser irrestrita. Um projeto de lei complementar apresentado em 2021 pelo ex-deputado Severino Pessoa (MDB-AL), por exemplo, previa isenção para aeronave ou embarcação utilizada no transporte coletivo ou de cargas ou que não possuísse propulsão própria (como barcos a remo ou vela). Também não seria cobrado o imposto quando o veículo fosse utilizado na pesca artesanal ou pesquisa científica.
Uma proposta de 2013, do ex-deputado Vicente Cândido (PT-SP), também previa que não seriam tributados veículos aquáticos e aéreos de uso comercial destinados à pesca e ao transporte de passageiros e cargas. A PEC 283/2013 previa a tributação não só da propriedade, mas também a posse de veículos, o que evitaria que bens registrados em nome de pessoas físicas ou empresas domiciliadas no exterior escapassem do imposto.
Reportagens mostraram que o mercado de iates e jatinhos vive um boom no Brasil, com fila de entrega para alguns modelos de luxo.
Folha de SP
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